verbo em Latim que significa "caminhar adiante" (origem de "preâmbulo")

A arte é a arte. Penso que a tautologia ("amor é amor", "uma árvore é uma árvore"...) pode dar conta do significado que eu gostaria de tanger com o que pretendo aqui, e representa bem minha admiração pela redundância: pleonasmos, perfazer (quase) sempre o caminho mais longo, prolixidade, a demora.
Sem digredir, arte. Ao meu ver, arte é, dentre outros prismas factíveis, possivelmente a linguagem mais profunda para expressão de tudo o que o ser humano pode significar, o que se resume ao símbolo. De fato, é querer dizer, exprimir, transudar algo, e isso de certa forma — quer belo a ciclano, quer feio a beltrano, mas de uma forma. A forma parece, a mim, delatar a vontade, o próprio, a inspiração, e expressar-se assim acaba por ser uma tarefa complexa e exercício de vidas inteiras... Não é raro, claro, que nos defrontemos com o não conseguir expressar por completo o que gostaríamos de dizer e palpar, mesmo organizando pensamentos e significações com palavras em frases rebuscadas e termos mais estritos. É porque, penso, a escrita pomposa e florida de léxico, muitas vezes, termina servindo para mais confundir do que dizer — id est, para nada. Graças a Deus por isso; não é para utilidades mesmo que tentamos alguma arte. É para o símbolo. É para tentar concretizar algo antes impalpável.
Logo, remanesce que a arte permite, e até seja, dizer por dizer, exprimir por exprimir, fazer por fazer. Os símbolos devem ser infindos, mas sempre podem ser concebidos por alguma forma de arte (não quero o ônus da prova disso, podes crê-lo ou não).
O que é o símbolo? Não sei definir, apesar dos pilares de Saussure e semiótica que levo em conta, mas poderíamos dizer: concretizar algo antes impalpável — com palavras, com tinta, com notas, entre outros. Espero tocar e transmitir os significados por meio de cada texto, cada história contada. Acho que toda pessoa sabe reconhecer o símbolo e, mais, ser tocada por ele quando nos transpassa pela arte.
Enfim, aqui, tento emanar, em palavras e obras minhas e quadros de outrem, um pouco das lentes com as quais enxergo o mundo, a dita cosmovisão.

obs.: ou você pode às vezes simplesmente usar o site pra deixar o som de chuva ao fundo. ajuda muito a se concentrar, acredite.

Algumas obras ao contemplar.

sentimentos de mundo e amplidão como o mar, as montanhas enormes com ovelhas pequeninas. ou desassossego, com uma estátua que deixou de ser.

buscar tais sentimentos é essencial. não creio isso uma tarefa de sentimentalismo per se, por mais que o soe, mas podemos fazê-la sim intento de viver a profundidade de realidades que vimos ou ainda não vimos, como quadros nos representam e transmitem. poder perceber outras realidades trazidas à tona por textos e quadros (a semiótica abre o buraco de que quadros também são textos, enfim) é exercício de contemplação, de demora, de paciência, de tempo. dificilmente, ou impossivelmente, há percepção da beleza de algo sem contemplação, sem demora, sem paciência, sem tempo.

e eis um dos poemas a mim mais bonitos sobre os desdesígnios da arte, claro, de Manoel.


O menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.

A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!


— Manoel de Barros

Aqui estão contos e textos em formato não usual (ensaios), por vezes bastante curtos, mas que condensam alguma reflexão central que pode falar ao coração. Ao menos, cada uma fala ao meu significados profundos e, por isso, ponho-os aqui para dividir, repartir.
Alguns textos são marcados como Declaração. Estes são altamente pessoais, de múltiplos tipos e escritos, essencialmente, para Deus. Fazem parte de uma obra chamada Declaração, um dos diademas de tudo o que já escrevi.

ensaio

Escolhas

Quando se veem rios por planícies, certo é que suas águas presentes não hão de cessar — a isso não se denota presente...

conto

4 de setembro

Maiores e mais profundas prisões são as que o coração impõe ao próprio coração.
Tudo havia ficado em silêncio há dias, e ninguém intentava pronunciar nada além daquilo que fosse necessário à sobrevivência...

ensaio

À dança desterrada sob céus permanentes

Pelo que seja o ar como parábola, e a terra como movimento no qual se dancem coisas antigas, mas não esquecidas...

conto

20 de outubro

Por caótico e adversos que sonhos possam cintilar, expressam o que jaz interior: nós mesmos. De um dia para o outro...

declaração

Para além do rio novo

— Ora, caminhar sob as areias da orla do mar é singular. É como olhar aos azuis infinitos, deixando que por pouco ande meio-coberto pela areia, que pode parecer tão parca com relação ao mar...

conto

Apenas uma flor

As formigas sempre foram fiéis. Logo após o nascer do sol, as duas, por mais um dia, arrumaram todas as suas coisas para a longa caminhada...

conto

Para que ames

A vozinha de Rute, ao menos Rutinha aos mais afáveis à alma, sempre se admirava de sua capacidade de encanto, e encanto não com certa cousa em especial, mas com qualquer uma...

declaração

Viga, vida

Mas vi pessoas divagando, anunciando dizeres contra o nome do Senhor, as quais pretendiam raciocinar que a ideia de Deus existir proviria da fraqueza e necessidade humanas de completude, (...)

declaração

Que faria, se meus caminhos não fossem traspassados?

Por estas bandas, não se pronunciam coisas inexistentes: quer felicidades extraordinárias, quer fontes; quer oásis arrebatadores, quer sonhos. O Sol...

conto

5 de dezembro

Recordações de coisas que existiam fazem-nas persistir, e então existir. Em um dia comum, pus-me a visitar certo amigo a quem não via há muito...

Os poemas, aqui, não têm uma linha temática única entre si e são, essencialmente, distribuídos de forma tão aleatória quanto a que os nossos pensamentos podem ter em nossa cabeça a cada dia. É preciso temperança para interpretar poemas — eu mesmo provavelmente desconheço os significados completos de todos os que escrevi.

declaração

Autodeclaração

Mas o choro que não é meu / O deserto a que não fui / Tanto me toca / Como se meu fosse / Minh’alma não se pode isentar / Minh’alma está a falar:...

Consideral

No princípio te elegi / Como a mais bela gota / D'água sobre a rota rota...

declaração

Reflexos do mar

Numa oração, ocorre-me finalmente que Deus é como o mar. / É como o infinito para tudo o que medimos; não há métricas...

vivere

escrever me mantém vivo, / ler me mantém vivo, / linguagem me mantém vivo...

Genuinidade

em um mundo de / vendem-se maçãs...

Da incredulidade (Cerca)

Ao não se enxergar claramente / Atribuem-se quaisquer a quaisquer / Que, por sua vez, inculpados...

Das distorções (Miopia)

Parece impossível que se desate / O que não mais muda / A realidade afeta...

declaração

Coração de terra

Muitos quereres / Constituem-me o coração / Em muitos viveres / Minha negligência e adoração...

Trás mui traz

Passado e futuro / Tolhem o presente / Que de todos é o único / Tempo que nós temos...

vendidas

Um dia me assaltou uma indignação imensa contra o zeitgeist sobre o sexo na sociedade, contra a superficialidade com que se firmam e desfazem relações interpessoais (especialmente entre os mais jovens), enfim. Transcrevi-o de uma forma pouco (ou muito) sarcástica e alegórica, na tentativa de palpar isso que paira na mente de muitos.

Ler

Solidão

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”

Reflexão também pessoal, também bíblica em torno da grande e muitas vezes silenciosa tempestade chamada solidão. Ela pode nos levar a naufragar quando de navegarmos sozinhos por muito tempo, mas há um porto seguro no qual podemos fixar nossos olhos. Que porto é esse, afinal?

Ler

Amor à base de tinta

Crônica escrita em meio à pandemia, próximo ao seu fim em 2021, para o jornal de estudantes da USP Ócios de Ofício. Sobre desabandono, catarse e cair-em-si a partir de uma vida em que muito se existe para pouco se viver, digamos, nos termos de Sêneca.

Ler

Crianças e Um Sábado

Registro de um dia com crianças de uma comunidade local e amigos da ABU, trabalhando para nos alegrarmos naquela manhã junto com elas, em 2023.

Ler

Rio Sufocado

Reflexão escrita num dia aleatório, sem ocasiões sobre-especiais, sobre os rios-sufocados que nos cercam e que, possivelmente, estão mesmo dentro de nós.

Ler

Some texts I have written in English, only because it feels lighter and easier sometimes to gather thoughts and words through the Anglo-Saxon semiology.

Prolonged winter

That cloudy, freezing cold day, the rabbit came lazily into his wooden house in a clumsy, semi-frozen fashion, the filthy fur, the snow covering up to the ankles and the hollow belly. He carried in a pouch some wrinkled berries, a medium frozen carrot, and some dried leaves that might once have been mint. It was again...

I was wrong

Within most people, there is a shared feeling about how differently kids are growing up nowadays. We think of what used to be a rule during childhood for a happier life: fresh-air activities like riding a bicycle...

Good Friday's Pain and Gain

Thinking about Easter, nowadays, unfortunately leads the majority of us to think of chocolate, plus all capitalist marketing of uncountable "Easter" products (bunny, eggs, candies, etc.). All of that is completely superficial and indeed delusional...

Esta parte, de fato, não tem utilidade alguma, e que bom. Os quadros a seguir foram postos por mim à esperança de que outros vissem da beleza que carreiam, desde as pinceladas ligeiras impressionistas de Monet até interpretações do que foi a criação do universo e do que é o pôr do sol.

O vestido de baile (Interior com menina costurando)

Giovanni Boldini

O Canal (1845)

Joseph Mallord William Turner

Pôr do sol (Caernarfon, País de Gales, 1899)

George Elbert Burr

O universo é criado (1894)

Paul Gauguin

Barcos à vela à beira do lago (1889)

Walter Leistikow

La Pointe de la Hève em maré baixa (1865)

Claude Monet

Um Pastor e seu Rebanho sob a Lua e as Estrelas (~1827)

Samuel Palmer

Saint-Valéry-Sur-Somme. L’embouchure De La Somme (1891)

Eugène Boudin

GRIMALT SOLEA • LIVRO I : 80%
...